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Os Três Pilares para Falar em Público

 

A Visão de Aristóteles

 

Aristotle

Há quase 2400 anos atrás, o filósofo grego Aristóteles criou o seu tratado sobre Retórica - uma série de três livros que disserta sobre todos os aspetos de falar em público, e considerado, ainda hoje, um guia incontornável sobre como ser um grande orador e proferir discursos persuasivos.

Muitos sites oferecem a tradução do livro e é recomendado que o leias, se tiveres tempo.

Logo no início do tratado, Aristóteles define os três pilares que os discursos persuasivos devem ter:

Dos modos de persuasão pela palavra falada, existem três tipos. O primeiro depende da personalidade do orador; o segundo da capacidade de conduzir a audiência a um certo estado de espírito; a terceira pela prova, ou prova aparente, fornecida pelas palavras do próprio discurso.

Estes três componentes dão pelos seguintes nomes:

  • Ethos - Tudo o que está relacionado com os teus atributos como pessoa e com o quão confiável e credível pareces aos outros.
  • Pathos - Tudo o que está relacionado com as emoções e o imaginário que crias na mente do teu público.
  • Logos - Tudo o que está relacionado com os argumentos lógicos que usas no discurso.

Repara que estes não são elementos organizacionais do teu discurso. Não penses num discurso como tendo "uma secção ethos, uma secção pathos,...". Pelo contrário, estes elementos devem ser transversais a todas as suas secções.

Ethos

A Ethos é, geralmente, associada a quatro características básicas do orador:

  • Ser digno de confiança
  • Ser semelhante ao próximo
  • Autoridade
  • Reputação, conhecimento e mais-valias.

Como orador, parte da tua capacidade de convencer o público advém da tua aptidão para ser credível e digno de confiança. Mesmo antes de começares a falar, vais ser desde logo encarado pela imagem que a plateia tem de ti. Esta imagem pode advir de conhecimento prévio (da tua figura pública, se fores já conhecido) ou da introdução com que te presentearam. 

Nunca é boa ideia deixar as introduções totalmente ao capricho do apresentador ou anfitrião de um evento, uma vez que pode arruinar a primeira impressão com que o público fica de ti.

Dentro das limitações da tua função, tenta revelar-lhe como gostarias de ser apresentado. Escreve na terceira pessoa, de modo muito semelhante a como escreverias um perfil profissional para a contracapa de um livro. Não tomes isto como falta de modéstia ou uma tentativa de te impores aos outros - cada anfitrião sentir-se-á aliviado e agradecido por lhe poupares o trabalho de pesquisar sobre ti e ter de escrever um texto da sua autoria. Na verdade, os anfitriões profissionais entrarão em contacto contigo antes do evento para te pedir uma nota introdutória.

Se seguires as indicações anteriores garante, no entanto, que o anfitrião tem o bom senso suficiente para não dizer, perante toda a plateia, "O Sr. Santos forneceu-me a seguinte introdução sobre si próprio".

Podes tomar a sério o caso acima. Por exemplo, Mitch Carson, um reconhecido especialista em desenvolvimento de marcas e um orador keynote da AgoraCon, gosta que exista uma "função de apresentação do orador". Ele projeta exatamente o que quer que a plateia veja e conheça sobre ele antes de começar a falar.

A credibilidade não é algo constante - durante o discurso, a tua credibilidade pode aumentar ou diminuir consoante os recursos que uses. Já todos ouvimos a velha e irónica observação feita por um amigo ... "ele é muito giro, mas quando abre a boca...". Não é apenas uma brincadeira - estudos demonstram que a aparência te garante a credibilidade inicial mas que isso é apenas o início.

No Programa Educacional Agora (tanto nas nossas atividades como nos percursos de projeto), verás que frequentemente fazemos referência a fatores "diminuem a tua credibilidade" (por exemplo, embarcar em raciocínio falacioso, perder o foco do teu discurso, não ter uma estrutura clara ou simplesmente registar demasiadas hesitações e palavras a mais).

A importância do Ethos é tão grande que, se a tua credibilidade for bastante elevada, podes safar-te com o mau discurso do costume.

Existem muitas maneiras de ganhar credibilidade:

  • Através da tua presença (mas não durante o discurso - em cartazes do evento, nas agendas, pela maneira como és apresentado, etc.)
  • Através dos teus feitos (por exemplo, pelas empresas que criaste, papers que publicaste, produtos que concebeste, prémios que recebeste, etc.)
  • Através das experiências pessoais (por exemplo, tens autoridade para falar sobre o Tibete porque viveste lá 10 anos)
  • Através de uma extensa cobertura na comunicação pessoal (com presenças em blogs, vídeos, artigos nos jornais, TV e rádios, etc.)
  • Através de conhecimento demonstrado (teórico e prático) durante o discurso.
  • Através da confiança com que abordas os assuntos, as interrupções, as perturbações e as perguntas do público. (por exemplo, ao manter a calma perante perturbações, ao responder de forma sábia a uma pergunta inesperada. Para mais informações, consulta este artigo específico.)
  • Ao apoiares-te na credibilidade de outros - usando citações, testemunhos, referências, apoios, etc.
  • Por vezes, o simples facto de estares rodeado de pessoas de credibilidade reconhecida confere-te uma aura de credibilidade. Por exemplo, se as tuas imagens te mostrarem constantemente rodeado de Prémios Nobel, as pessoas irão conferir-te uma maior credibilidade.

Estabelecer uma similitude com o público é outro elemento que deves ter em mente quando trabalhas o teu Ethos. No Programa Educacional de Base, temos um projeto específico onde és desafiado a conhecer o teu público e a fazer o teu discurso à medida dos seus membros. Isto inclui:

  • Destacar os pontos que tens em comum com os membros do público.
  • Escolher as citações, referências e histórias certas.
  • Selecionar os argumentos apropriados.
  • Estabelecer uma conexão física ao ajustar o teu vestuário, características vocais, expressões e linguagem no geral ao teu público.

Pathos

O Pathos refere-se ao conteúdo emocional do discurso. Existe um amplo entendimento de que as pessoas, no geral, são persuadidas e atuam, sobretudo, com base no apelo emocional em vez de em lógica pura. Requer treino específico pôr as emoções e os sentimentos de lado e agir exclusivamente com base em dados objetivos e na lógica.

Num relatório bastante (mais tarde descrito no seu livro O Erro de Descartes), o famoso neurocientista António Damásio estudou um paciente que teve de remover uma parte do seu o lobo frontal devido a um tumor. O lobo frontal é responsável por expressar e modular todas as emoções essenciais que sentimos, incluindo, sobretudo, a empatia. Este paciente em particular, antes da operação, tinha sido um empresário de sucesso com um casamento feliz. Depois da operação, e apesar de ter preservado todo o raciocínio, capacidade de pensar e o mesmo QI, Damásio descobriu que não conseguia tomar nenhuma decisão - nem sequer coisas simples como escolher o que comer ou classificar documentos.

Podes saber mais sobre como as emoções afetam o nosso processo de tomada de decisão nos seguintes artigos.

Isto não significa que as pessoas atuam apenas com base nas emoções, mas que as emoções são um fator fundamental e necessário ao processo de decisão.

O pathos do teu discurso deve ser genuíno. A menos que sejas um premiado ator profissional, não tentes fingir emoção, ou serás descoberto. E quando (não se) fores descoberto, não terás apenas destruído o elemento Pathos no teu discurso mas também o Ethos, uma vez que serás encarado como falso e pouco digno de confiança.

Demasiadas vezes, e paradoxalmente, os oradores fingem as suas emoções reais (por exemplo, apresentam um falso sentimento de tristeza em vez de demonstrarem a real tristeza que deveras sentem) porque têm medo de se abrir e de se mostrarem vulneráveis em frente à plateia. Na verdade, é ao contrário - mostrar os teus verdadeiros sentimentos sobre algo só te pode ajudar tanto do ponto de vista do apelo emocional como da imagem autêntica e genuína que transmites.

Mesmo que te decidas abrir, não esperes que todos sintam o mesmo que tu. A tua tristeza sobre crianças que perdem a sua infância devido ao trabalho infantil, a tua frustração com a inação perante as alterações climáticas ou a tua raiva perante a brutalidade policial não encontrarão necessariamente eco em cada membro do público.

testemunho de "Nayirah al-Ṣabaḥ" perante a Comissão dos Direitos Humanos do Congresso dos Estados Unidos a 10 de outubro de 1990 é um excelente exemplo de como o Ethos pode ser utilizado de forma muito direta. O testemunho - que posteriormente se provou ter sido fabricado - ajudou a influenciar decisivamente a opinião norte-americana a favor da intervenção no Iraque. Mesmo organizações de confiança como a Amnistia Internacional, que fazem bastante fact-checking, apoiaram inicialmente a história, tendo depois mudado de posição.

Existem diferentes modos de melhorar a componente Pathos no teu discurso. De facto, uma grande parte do Percurso Educacional de Base e outras atividades Educacionais Agora são dedicados precisamente a estas abordagens:

  • Sê autêntico e aberto sobre o que sentes.
  • Usa variedade vocal - Isto deve surgir naturalmente quando expressas abertamente os teus sentimentos (na verdade, uma das razões pelas quais Damásio pôde detetar que o seu paciente não conseguia sentir emoções foi que este falava de modo desafetado e monótono sobre os mais importantes acontecimentos da sua vida, como a perda de um emprego duradouro ou o divórcio).
  • Usa a linguagem corporal certa.
  • Usa um imaginário vivo e palavras com impacto.
  • Usa uma variedade retórica, sobretudo tríades, metáforas e analogias.
  • Usa humor, anedotas e histórias (sobretudo se forem pessoais)
  • Suscita as emoções diretamente - sobretudo surpresa, respeito, aversão, etc. (o que tem outro um efeito positivo: estudos mostram (por exemplo: aqui, ou aqui) que as pessoas aprendem e retêm melhor a informação quando estão num estado emocional não extremado).
Toda a gente consegue ficar zangada - isso é fácil, mas ficar zangado com a pessoa certa, na medida certa, na altura certa, pelos motivos certos e da maneira certa - isso não está ao alcance de todos e não é fácil.
Aristóteles

Logos

O Logos representa a dimensão argumentativa do discurso. O Pathos está para o "apelo à emoção" como o Logos está para o "apelo à razão".

O quão sólidos os argumentos apresentados são, o quão coerente o raciocínio é, o quão válidos os dados e as evidências são.

O Logos é alcançado:

  • Conduzindo o público a uma conclusão pretendida, através de uma cadeia de raciocínio lógico.
  • Fornecendo dados e provas sólidos.
  • Dando exemplos de sucesso ou de um registo histórico

O primeiro ponto, por norma, envolve uma série de argumentos dedutivos ou indutivos.

O pensamento dedutivo é utilizado quando começas com uma série de premissas consideradas verdadeiras e depois, através das regras da lógica, chegas a uma determinada conclusão. Por exemplo, "A maioria da população pensa que os refrigerantes gaseificados com açúcar são maus para a saúde. Se posicionarmos a nossa nova bebida como refrigerante gaseificado, as pessoas não a comprarão". Como podes ver no exemplo, nem sempre as premissas completas ou os elementos da sequência lógica são explicitamente verbalizados - neste contexto, a premissa implícita de "as pessoas não compram coisas que consideram más para a sua saúde" é usada mas não verbalizada. Falaremos muito mais sobre lógica no Percurso Educacional de Pensamento Crítico.

As tuas premissas não são as minhas premissas

Deves sempre partir de premissas que todo o público possa aceitar. As tuas premissas ou verdades universais não necessitam de corresponder ao que o público tem por verdade (e é tua tarefa saber quais as premissas que o público tem por verdadeiras).

Idealmente, todas as premissas devem ser factos objetivos e irrefutáveis ("A Terra é um planeta, Temos 23 pares de cromossomas, o PIB de Espanha em 2019 era de 1244 mil milhões de euros"). No entanto, se limitarmos as premissas a apenas isso, seríamos forçados a limitar os nossos discursos a banalidades como "Sócrates é um homem" (o exemplo perfeito de uma proposição em cada artigo que explica os silogismos).

A segunda melhor opção é partir de premissas com as quais tanto tu, como orador, e o público concordam. Imagina que queres fazer um discurso sobre a proteção do ambiente e que queres usar o pensamento dedutivo. Em frente a uma congregação Católica, será seguro assumir que ninguém questionará a premissa de que "Deus existe" e de que "Deus criou a Terra". Portanto, podes começar a tua cadeia lógica de raciocínio que apresenta razões que expliquem que estamos a estragar a obra de Deus que este nos confiou ao estragarmos o meio ambiente. A mesma abordagem não resultaria tão bem numa convenção de economistas, por exemplo. Uma premissa muito mais adequada seria que "Eventos extremos como furacões, cheias e fogos causam enormes perdas económicas e disrupções no mercado".

Um terceiro caso distante seria premissas sobre as quais o público não tem uma opinião formada ou nem contraexemplos e que podes apresentar como sendo verdades facilmente aceites. Por exemplo "Um estudo feito por Johnson et al. demonstra que 85% da população pensa que os refrigerantes são maus para a saúde". Se a audiência não for especializada nesta área em particular, podem aceitar a alegação do estudo pelo seu valor original e podes usar a tua cadeia de raciocínio. Porém, pode muito bem acontecer o contrário e o público contar com peritos no assunto. Alguém pode questionar a credibilidade do estudo. Alguém pode questionar em que momento foi feito e se obteria os mesmos resultados se fosse feito hoje. Alguém pode sugerir que cada um tem um conceito diferente de "refrigerantes".

Por outro lado, o pensamento indutivo é quando fazes uma generalização baseada em observações individuais suficientes. Por exemplo, "Fico cansado se não beber café" (generaliza uma série de experiências passadas) ou "tem havido muitos acidentes com estas aeronaves. Penso que o melhor é evitá-las".

O pensamento indutivo é mais arriscado porque a generalização pode estar errada por várias razões (uma amostra limitada ou imparcial, uma assunção incorreta sobre o tipo de dependência, etc.). Quando usas o pensamento indutivo, é sempre uma boa ideia sugerir diferentes conclusões possíveis e tentar explicar o porquê de algumas serem mais prováveis do que outras e porque é que escolheste uma em particular.

Isto não significa que a indução é sempre arriscada. Na verdade, existem muitas maneiras de induzir em ciência para que a conclusão seja válida.

Por vezes o logos pode ser alcançado mesmo que o público não perceba o que estás a dizer. No entanto, a mera atitude séria, juntamente com uma combinação de uma série de palavras complexas, pode criar essa mesma ilusão.

O "Turboencabulador" é um discurso muito famoso da indústria que ilustra como o uso de chavões tecnológicos e científicos em frases vazias de significado pode criar a ilusão de que o orador está mesmo a falar a sério. Podes assistir ao anúncio aqui e à versão da Chrystler aqui.

Na realidade, isto não é muito diferente das técnicas que muita gente duvidosa usa hoje em dia, com a física e a mecânica quântica como alvo favorito.

Tal como no caso do Pathos falso, também te podes safar com o "falso logos" por algum tempo. No entanto, basta uma pessoa na plateia para te desmascarar, e então, não apenas o teu Logos se evapora, como também o teu Ethos (e permanentemente).

No Programa Educacional de Base, trabalhamos o Logos em três dos projetos:

 

O ponto de vista Sofista

Gorgias

Os Sofistas (do Grego σοφιστής, sophistes, de sophia - sabedoria) eram uma classe coletiva de intelectuais ou peritos nas suas áreas que viajavam entre as cidades e ensinavam o seu conhecimento e capacidades a troco de pagamento. A condenação por parte de filósofos como Platão e Aristóteles - que os consideravam indignos e meros vendedores de banha da cobra, capazes de defender uma coisa e o seu contrário - causou o desaparecimento dos seus escritos da história. (Será que este conflito sobre educação gratuita e educação paga te faz lembrar alguma coisa nestes tempos modernos? Tem em conta que os primeiros Sofistas são situados por volta de 500 a. C. - há mais de 2500 anos atrás)

Ainda assim, algumas das suas ideias duraram até hoje - sobretudo no campo da oratória - que foi uma das competências mais populares que ensinaram e que se tornou quase um sinónimo de sofismo na altura do Império Romano.

Os Sofistas também tinham os seus três pilares para um bom discurso persuasivo:

  • Kairos - Tudo o que está relacionado com o sentido de oportunidade do discurso.
  • Prepon - Tudo o que está relacionado com a adequação do discurso (tanto ao público como à ocasião).
  • Dynaton - Tudo o que está relacionado com a capacidade do orador de levar o público ao estado de espírito que deseja.

Kairos

O Kairos refere-se ao momento em que o discurso é feito. Os Sofistas acreditavam que os discursos precisavam de ser proferidos no momento certo, caso contrário, faltaria eficácia ao efeito persuasivo. Um dos Sofistas mais famosos - Gorgias, considerava que os discursos preparados violavam este princípio - que cada orador de sucesso deveria ser capaz de falar sem notas e de improviso.

Prepon

O Prepon refere-se à adequação do discurso ao público e ao ambiente em que é proferido. É complementar com o elemento do Kairos. Apesar de poderes pensar que é, de alguma forma, semelhante à identificação com o público do elemento Ethos, o Prepon também envolve a perceção de todos os outros elementos no ambiente - da acústica à luz ou à temperatura. Tal como no caso do Kairos, atingir o Prepon significa tanto estudar o ambiente com antecedência (no projeto Agora sobre Conhecer o teu Público, insistimos na necessidade de visitar de antemão o local onde falarás em público para que o conheças aprofundadamente) como também adaptar o discurso para esse ambiente e para qualquer eventualidade que surja durante a apresentação.

Dynaton

Por fim, o Dynaton refere-se à dimensão do possível - a capacidade de atingir o estado que o orador quer atingir. No projeto da Estrutura do Discurso, cobrimos diferentes estruturas organizacionais do discurso e uma das mais populares é a chamada Sequência Motivacional Monroe. Um dos elementos-chave dessa estrutura é o contraste entre o que existe "agora" e o que poderia "ter sido" (por exemplo - a descrição da situação climática atual vs. como o mundo poderia estar se tivéssemos protegido o ambiente). O Dynaton não descreve apenas como seria o estado do que poderia "ter sido" mas também deve convencer de que é possível e que não é nenhuma loucura.

 

Analisa os dois seguintes discursos famosos e decide qual é que pensas que utiliza melhor o elemento Dynaton.

 


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